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  • Rui Conceição

"Eu sou Terapeuta da Fala" - Testemunho de Rui Conceição


Desde cedo que fui um firme opositor à Terapia da Fala a fim de “curar” a minha gaguez, devido à intermitência de fluidez no meu discurso. Não percebia porque razão era capaz de falar de forma natural e fluída no seio do meu grupo de amigos, como também não percebia porque razão gaguejava a atender o telefone no emprego. Talvez não quisesse descobrir e preferi o caminho de mentir a mim mesmo de que não era gago, mas sim uma espécie de mistério da ciência a aguardar por um milagre que tardava em chegar. Foi preciso bater no fundo a nível de autoestima e bem-estar emocional para finalmente enfrentar o problema de frente, em vez de me refugiar nos habituais evitamentos, tão característicos desta condição. Foi preciso, antes de mais, reconhecer que precisava de ajuda. Não se consegue ajudar ninguém que não queira ser ajudado e a minha resistência estava intimamente ligada à minha aceitação enquanto pessoa que gagueja.

Costumo dizer que tive UMA terapia da fala e não terapia da fala. A minha terapia – tal como a minha gaguez – foi/é única. Da mesma maneira que um alfaiate tira as medidas certas do cliente para um fato, assim foi o que fez o meu terapeuta da fala. Não creio que exista uma abordagem universal no que concerne à terapia da fala (pelo menos eficaz). Um método único que seja o indicado para toda e qualquer pessoa que gagueja. Talvez haja pontos em comum entre todos os casos e até poderá aplicar-se um conjunto de métodos iguais – mas voltando à analogia têxtil – é como ir comprar um fato a um pronto-a-vestir: pode servir, mas há sempre algo que fica desajustado.

A análise que fui alvo na primeira sessão serviu para determinar – antes de mais – a minha relação com a gaguez (o alfaiate a tirar as medidas ao fato). Como é que eu a via, como eu me via a mim mesmo e como eu penso que os outros me veem. O terapeuta quis conhecer-me antes de conhecer a minha gaguez. Rapidamente se chegou à conclusão de que eu não conhecia a minha própria gaguez ou a de qualquer outra pessoa. Mitos foram desfeitos em segundos. Toda uma existência de 34 anos agarrado a falsas verdades resultou num verdadeiro choque quando confrontado com a realidade. Afinal, eu não era assim tão especial como julgava. Afinal, havia uma explicação para os meus comportamentos absurdos nos evitamentos. Afinal, existe alguém que me consegue ajudar a perceber quem eu sou e porque sou como sou. Acredito que este passo inicial seja absolutamente indispensável antes de toda e qualquer terapia: a aceitação. Enquanto a negação continuar a existir na base do iceberg, será muito complicado prosseguir. As minhas primeiras sessões de terapia da fala assemelharam-se mais a consultas de psicologia do que outra coisa.

Conhecimento é poder. Aprender o máximo possível sobre esta condição foi o passo que se seguiu. O terapeuta decidiu transmitir todo o seu conhecimento teórico e prático sobre gaguez sem nenhum tipo de infantilização científica, inclusive teorias não comprovadas. Isto permitiu-me ganhar uma noção espacial de como todos os mecanismos associados à fala operam, onde falham e como interagem entre si. Estas sessões de terapia da fala assemelharam-se mais a uma cadeira de licenciatura em Terapia da Fala do que outra coisa.

Aceitação e informação. Aceitei a realidade e quem eu sou. Percebi porque sou como sou. Acreditei sem dúvida alguma que esta pessoa ia resolver todos os meus problemas.

Não. Não foi o terapeuta que resolveu todos os meus problemas, mas foi graças a ele que percebi que nem todos estavam relacionados com a gaguez. Não foi o terapeuta que mexeu a boca por mim e – com toda a certeza – não foi ele o principal interveniente durante este processo. Eu. Eu é que fui o meu terapeuta da fala. Eu é que tive de fazer gaguez voluntária, eu é que tive de aplicar o conhecimento adquirido no meu dia-a-dia. Eu é que tive de suavizar e fazer “pull-outs”. Ele só me disse como o fazer, quando o fazer e a razão porque o deveria fazer. Mas mais importante que isso, ele ensinou-me a ser eu mesmo e a aceitar-me. Posso estar errado, mas a verdade é que foram poucas as sessões com exercícios mecânicos da fala. Acredito que o caso seja totalmente oposto em outras situações. Acredito que haja alguém que tenha entrado naquele gabinete totalmente resolvido e tenha atravessado uma série de sessões apenas com estes exercícios. Era o que esta pessoa precisava, eu não. Acredito que há quem precise de um mês de terapia como há quem precise de um ano. Cada gaguez é única e cada terapia da fala deve ser também ela única, mas o melhor terapeuta da fala somos nós.

Eu fui o meu terapeuta da fala e ainda continuo a ser todos os dias. Mas para ser este grande terapeuta da fala em que me tornei, precisei do meu terapeuta da fala, psicólogo e amigo para me ensinar, explicar e orientar durante todo o caminho.

E sem ele, nada disto seria possível.

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